"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

FERROVIAS E CONEXÕES URBANAS



José Antonio Lemos dos Santos

O imbróglio sobre o traçado ferroviário dentro da zona urbana de Rondonópolis protagonizado pela prefeitura municipal e a empresa RUMO não pode ser visto com olhos pequenos, como se fosse apenas uma picuinha do município ou uma demonstração de força da grande empresa. O assunto é muito sério pois seu deslinde ultrapassará as cercanias de Rondonópolis, influenciando decisões futuras sobre o mesmo assunto em dezenas de municípios que estão na iminência de receber o modal ferroviário, não só em Mato Grosso, como em todo o Brasil.

     Vista de longe, apenas pelo noticiário, a questão é que a RUMO tem contrato com o estado para construir uma ferrovia ligando Rondonópolis a Cuiabá e a Lucas do Rio Verde, com prazos estabelecidos para conclusão. Acontece que o trajeto definido pela empresa passa por dentro da Zona Urbana de Rondonópolis, cuja prefeitura, em seu direito a meu ver, negou autorização para este caminhamento tendo por base a legislação que trata do uso e ocupação do solo urbano do município. 

     Sem menosprezar a importância de uma ferrovia desse porte para o estado, para o país e, muito especialmente, para a própria cidade, lembro que o que está se fazendo pelo Brasil e mundo afora é justamente o contrário, isto é, a retirada dos trilhos ou sua ressignificação urbanística, ainda que das românticas “Marias-Fumaças”, urbanizando as faixas resgatadas. Considerando as atuais dimensões do empreendimento é fácil imaginar a incompatibilidade entre a malha urbana e a circulação de comboios de carga que podem chegar a 100 vagões com um ou dois andares cada. Trilhos hoje em cidades só os destinados ao transporte urbano de passageiros em suas várias escalas. 

     O ideal seria que a questão de Rondonópolis, no que ela tem de certo e de errado, pudesse servir de balizamento aos demais municípios brasileiros que também aguardam a chegada dos trilhos trazidos pela exuberância produtiva do agronegócio. De certo tem a defesa da qualidade de vida de sua população ao defender sua legislação. De errado está em não ter enfrentado esse problema com antecedência, no mínimo desde a inauguração do grande terminal ferroviário no município, antecipando-se ao grande problema.

      Nessa linha, com os trilhos ainda em São Paulo, Cuiabá iniciava a elaboração de seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e já tratava da futura conexão ferroviária e em 1994 concluiu uma proposta básica de caráter urbanístico indispensável ao trabalho que se fazia de projeção da cidade (desenho ilustrativo no “Caderno do IPDU”). O partido da proposta foi a logística, adotando como seu eixo a Rodovia dos Imigrantes, convergência das 3 BR’s que passam pelo município. Na área escolhida, localizada na Região Sul de Cuiabá à jusante das águas e dos ventos dominantes, havia disponibilidade de terras compatíveis com as novas funções, inclusive para expansão habitacional.

     Ainda que a ferrovia não tenha chegado após 3 décadas, as principais alterações na legislação foram implementadas pelas administrações municipais que se sucederam, tais como a expansão da Macrozona Urbana de Cuiabá e a criação da Zona Especial de Alto Impacto com previsão de expansão do Distrito Industrial ao longo da Rodovia dos Imigrantes, tendo no seu limite externo uma faixa contínua para a circulação ferroviária, tangenciando-a sem adentrá-la inclusive para instalação do terminal local, (legislação publicada no compêndio “Legislação Urbana de Cuiabá). Passado tanto tempo é evidente que se trata hoje de uma proposta carente de revisão completa, porém poderia ser um ponto de partida, ou recomeço. Importante é que os interesses das cidades e das ferrovias sejam harmonicos e que os municípios no caminho da ferrovia antecipem também seus estudos assumindo seu protagonismo na construção de suas histórias. Já estão atrasados. 


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

AS LISTAS DAS PROPORCIONAIS

 

José Antonio Lemos dos Santos

Por muito tempo mantive a expectativa de que elas um dia aparecessem, como enfim apareceram nas eleições de 2022. Era no mínimo ilógico que em eleições proporcionais, como as deste ano para vereadores, em que o eleitor vota em listas de candidatos (por partidos, coligações ou federações), as tais listas não fossem dadas ao conhecimento do eleitor, originando o grotesco fenômeno brasileiro do eleitor votar em um candidato e eleger outro, sem saber sequer quem foi eleito com seu voto. Muitas vezes até elegendo um candidato que gostaria de vê-lo banido da vida pública. Pior, levando a pecha de não saber votar e ainda pagando a conta. 

     Ei-las! Em 2022 elas foram apresentadas no site oficial do TRE, não tão fácil de encontrar, mas simples de manusear. Espero que nestas eleições de 2024 elas voltem a aparecer, talvez agora com um avanço a mais, apresentadas em separado por partido ou coligação com todos os seus candidatos lado a lado em tela única facilitando ao eleitor na definição de seu voto, identificando eventuais candidatos indesejáveis e, no caso, sugerindo outra escolha, em outra lista menos poluída.

     A preocupação especial com as eleições proporcionais é procedente pois, nas eleições majoritárias a eleição é simples: o voto é direto no candidato e os mais votados ganham. Já nas eleições proporcionais o voto é dado a candidatos em listas por agremiação que conquista um número de cadeiras de acordo com a totalidade dos votos recebidos, inclusive os votos dos “derrotados”: os mais votados ocuparão as cadeiras conquistadas. Assim, nas proporcionais mesmo que o seu candidato escolhido não tenha sido eleito, seu voto ajuda a arrumar uma cadeira para outro, que você nem sabe quem é.

     As proporcionais são importantes e funcionam bem em democracias avançadas. O problema é que no Brasil as tais listas não eram dadas ao conhecimento oficial do público, a não ser uma lista geral por ordem alfabética sem a necessária separação por agremiação, impossibilitando ao eleitor conhecer os demais candidatos parceiros de lista de seu escolhido e passíveis de se elegerem com seu voto. Como votar em uma lista, ou em um time, sem conhecer seus componentes? Em 22 a Justiça Eleitoral fez em parte esse imprescindível reparo. 

     Com as listas publicadas, ao escolher um candidato de antemão o eleitor saberá quais outros poderão ser eleitos com seu voto. Não mais um voto no “escuro” como nas eleições atuais. Para se ter ideia, nas eleições para deputado federal de 2018 em Mato Grosso, apenas 1 (25%) em 4 eleitores aptos a votar votou em quem foi eleito, enquanto 34% votaram em quem não foi eleito. Os demais 41% nem votaram, optaram pelo voto em branco ou nulo, ou pela pescaria com os amigos. 

     Esta aparentemente simples decisão do Justiça Eleitoral poderá ser um divisor de águas na história das eleições no Brasil. Arriscando-me a derrapar na maionese da empolgação, ela trará para o Basil algumas mudanças importantes imediatas: o eleitor poderá escolher melhor seu candidato, bem como terá a possibilidade de saber quem se elegeu com seu voto, caso seu escolhido não seja eleito. 

     Mais importante: as sucessivas eleições forçarão as agremiações mais sérias a selecionar melhor seus candidatos, valorizando os partidos, o papel de suas convenções na definição das listas, aprimorando com isso a qualidade dos nossos parlamentos. Esta sequência de mudanças positivas poderá gerar um processo sinérgico de grande proveito para as eleições brasileiras. Aguardemos, pois, as listas oficiais de 2024 para definir nosso voto nas proporcionais.   


quinta-feira, 23 de novembro de 2023

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

24/11 ANTONIO JOÃO 200

 


José Antonio Lemos dos Santos

     24 de novembro, data que celebra um herói. Não se trata de exaltar as guerras em geral ou uma guerra específica. Heróis existem em cada lado de qualquer contenda ou disputa, assim como covardes ou traidores, a depender do lado por onde são vistos. Herói é aquele que promove ou defende a todo custo, inclusive pessoais, os valores primordiais de seu povo em todas as áreas da ação humana, até nas guerras, embora estas não devessem acontecer, mas aconteçam. Covardes ou traidores são o contrário dos heróis.

     Quero falar sobre Antonio João Ribeiro, hoje quase desconhecido, mas um herói brasileiro que defendeu seu país a preço da própria vida em um dos episódios mais dramáticos e desprezados da Guerra da Tríplice Aliança. Nascido em Poconé (MT)em 24 de novembro de 1823, morreu em Mato Grosso do Sul, na região onde hoje é o município de Antonio João, que o homenageia com seu nome. Neste ano de 2023 são completos exatos 200 anos de seu nascimento e este é o principal motivo deste artigo.

    Seu drama ocorreu quando comandava a Colônia Militar de Dourados com uma guarnição de 14 soldados, mais cinco colonos - quatro homens e uma mulher - tendo que enfrentar um cerco de 365 adversários mais equipados. Rejeitou com altivez o ultimato do inimigo para render-se, não fugindo ao embate desigual. Antes do embate enviou mensageiro ao comando superior com sua decisão de defender aquela posição brasileira, ainda que a preço da própria vida. Não se escondeu em gabinetes, ao contrário, foi para a linha de frente onde morreram ele, dois soldados e mais dois colonos. Os demais foram dominados. 

     A mensagem enviada foi interceptada pelos inimigos e, mesmo assim, tamanha era a eloquência de seu texto que a fez saltar da folha de um papel dado como extraviado, para as páginas das grandes epopeias brasileiras. Os bravos reconhecem seus iguais e se respeitam mesmo estando em lados opostos. E assim foi. 

     Em 1980 o Exército Brasileiro consagrou o Tenente Antonio João Ribeiro como um de seus Patronos e construiu na Praia Vermelha, onde se encontram dois dos mais importantes centros de formação militar do Brasil, a Escola de Comando e Estado Maior do Exército e o Instituto Militar de Engenharia, um monumento em homenagem aos combatentes da Guerra do Paraguai tendo em posição de destaque a figura do ilustre mato-grossense e sulmatogrossense, o poconeano Tenente Antonio João Ribeiro representado no momento em que seu corpo se curva para trás alvejado de morte. 

     A mensagem enviada a seus superiores e interceptada pelos adversários, era pequena no tamanho e grande no significado. Segundo o site do Exército Brasileiro ela extravasava o inarredável sentimento do dever militar, expresso nas poucas palavras ali colocadas pelo bravo Tenente:” Sei que morro, mas o meu sangue e o de meus companheiros servirá de protesto solene contra a invasão do solo de minha Pátria”. Foi, de fato, para além do dever militar firmando-se na linguagem cívica brasileira como expressão da afeição extrema da cidadania pelo seu berço pátrio diante de quaisquer tipos de ameaças que sobre ele pairem. Merece ser lembrado

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

SEGURA SEU VOTO

 

Charge: prof. José Maria Andrade

José Antonio Lemos dos Santos

 Praticamente a um ano das eleições de 2024, começam a aparecer os esboços de candidaturas, tanto para os executivos como para os legislativos municipais em todo o Brasil. Muitas nem serão concretizadas, mas, mesmo assim os nomes começam a ganhar espaço nas ruas, em especial, em adesivos nos carros, seguindo a tradicional regra do começar cedo para “beber água limpa”. Isto é, chegar nos eleitores antes que eles se comprometam com outros eventuais candidatos. De um modo geral começam buscando familiares, colegas de trabalho, velhos colegas dos bancos escolares (até então esquecidos), amigos, em suma, aquelas pessoas potencialmente formadoras do que seria um capital político pessoal. Com base nesses laços pessoais de diversos tipos acabam arrancando compromissos amarrados em “fios de bigode” de difícil escapatória futura. Com as eleições ainda a um ano, muitos desses compromissos são sacramentados em frases ditas sem muito pensar, muitas vezes ditas para encurtar uma conversa chata, ou para não ser desagradável. Aí mora o perigo.

     Em 2017 houve umas alterações eleitorais vindas do que se esperava ser uma reforma política substanciosa, “a mãe de todas as reformas”, mas que acabou não passando de uma “reforminha”, tal qual a que pretendem fazer agora, às pressas ainda antes de outubro. Contudo, do jeito como as regras estão até agora, as próximas eleições serão funcionalmente semelhantes a última, só mudando os cargos em disputa. Em relação ao voto em si quase tudo ficou como antes, só que as de 2024, abrangerão apenas a escolha para prefeitos e vereadores em eleições majoritárias e proporcionais, respectivamente. 

     Como nas democracias mais avançadas do mundo, temos no Brasil dois tipos de eleições, majoritárias e proporcionais, uma privilegiando o candidato individual e outra a proporção em que se distribui no eleitorado as diversas correntes ideológico-partidárias.  Ambas necessárias, pois se complementam. Só que o voto majoritário é simples, vence o candidato que tiver mais votos, enquanto o voto proporcional não é tão simples assim. Nestas vota-se no conjunto – listas - de candidatos por partido ou federação (antiga coligação) através dos votos dados aos candidatos nelas constantes. Os mais votados em cada “lista” são eleitos em número de cadeiras de acordo com o “coeficiente eleitoral” alcançado por cada partido ou federação. Nas eleições proporcionais busca-se a distribuição das cadeiras parlamentares na proporção da preferência dos partidos no universo eleitoral. Tais cadeiras são ocupadas pelos candidatos mais votados em cada corrente, a maioria dos quais não é escolhida diretamente pelo eleitor. Assim, o cidadão escolhe um candidato e seu voto pode eleger outro. Esta é a beleza das eleições proporcionais, mas também seu grande mal entre nós, já que, apenas em 2022 as listas passaram a ser publicadas por partido ou federação, porém, só no site da Justiça Eleitoral, ainda sem muita divulgação e penetração entre os eleitores. De qualquer forma um grande avanço no sentido de maior legitimização e representatividade para as eleições.

      Acompanho este assunto no mínimo desde 2010, quando o STF decidiu que a cadeira conquistada numa eleição proporcional é do partido ou coligação e não do candidato, confirmando ser esta uma eleição coletiva. Aprendi nesse tempo que votando em listas desconhecidas o eleitor podia escolher um bom candidato e eleger sem querer outro, às vezes indesejado, ainda que do mesmo partido ou coligação. Deste modo são reeleitos aqueles de sempre, com o povo enganado no seu próprio voto, elegendo e legitimando muitos daqueles que não gostaria de ver eleitos ou reeleitos. O coitado é ludibriado, paga a conta e ainda leva a culpa e a fama de não saber votar, situação esta que certamente deve ser minorada com a continuidade da iniciativa da publicação das listas pela Justiça Eleitoral, aguardando-se novas medidas no sentido de fazê-las chegar ao maior número possível de eleitores.

     O sentido de consciência e responsabilidade do eleitor na hora de votar deve então ser multiplicado nas eleições proporcionais. Antes de nos comprometer com o candidato parente, amigo, colega ou compadre é importante aguardar a oficialização das candidaturas. Na eleição passada a Justiça Eleitoral deu um grande passo no sentido da legitimidade e representatividade das eleições, publicando em seu site a lista dos candidatos não apenas em ordem alfabética, mas também por partido ou coligações. Talvez em alguma das próximas eleições estarão nas telas das próprias urnas. As listas mostrarão ao eleitor quais os outros candidatos que poderá eleger ao votar naquele que hoje postula o seu voto. Entre eles pode estar um ou mais candidatos que não se queira eleito, nem pintado de ouro. Nesta condição, aquele que é seu verdadeiro amigo entenderá ao negar-lhe seu voto. Importante é não se precipitar em compromisso muito cedo com algum pré-candidato. Segure o seu voto.


segunda-feira, 20 de março de 2023

AS CHEIAS DE SÃO JOSÉ


José Antonio Lemos dos Santos

     Para os antigos a estação das chuvas em Cuiabá tinha dois picos, um em dezembro/janeiro e outro em março, também chamado de “repique”, por volta do dia de São José quando encerrava o período chuvoso. As cheias eram aguardadas nessas épocas, ainda que quase sempre ocorrendo com intensidades diferentes. O último dia 17 de março marcou os 49 anos do dia da cota máxima da cheia de 1974 em Cuiabá, chegando a 10,87 metros, desabrigando milhares de pessoas nos antigos bairros do Terceiro (“de Dentro” e “de Fora”), Barcelos e Ana Poupino, conjunto de bairros que formava a região mais populosa da cidade. A cheia de São José naquele ano foi uma tragédia para a cidade logo quando esta dava um salto de crescimento decorrente da inauguração de Brasília, dentre outros fatores. Grosso modo Cuiabá saltava de 56 mil habitantes em 1960 para 240 mil em 80. Um crescimento para o qual a cidade não estava preparada, nem seus cidadãos, nem seus governantes. Ninguém entendia quando alguns visionários, verdadeiros profetas propunham a necessidade de preparar a cidade para aquela expansão.

     A calamidade daquela cheia serviu para dar uma sacudida nas autoridades. O governo Geisel tomara posse dois dias antes já com a inundação avançada. De imediato o ministro do Interior Rangel Reis veio a Cuiabá e tomou duas decisões radicais marcantes para a cidade e que não podem ser esquecidas. Determinou a demolição do que sobrara dos bairros atingidos, transferindo suas populações para conjuntos residenciais a serem construídos, e foram construídos, um deles o Novo Terceiro. Nesse processo perderam-se alguns marcos da cultura cuiabana que viraram saudade nas lembranças dos blocos carnavalescos “Sempre Vivinha”, “Coração da Mocidade” e “Estrela Dalva”, por exemplo.

     Outra determinação do ministro foi a realização de estudos técnicos para evitar novas tragédias semelhantes em Cuiabá. Daí resultou Manso, em princípio só para evitar novas enchentes, um “açudão” de proteção urbana. Embora pouco divulgado, Manso cumpriu essa função ao menos em 2002 e 2010 impedindo que volumes de água superiores aos 3.025 m³/s de 74 chegassem a Cuiabá. Seria ótimo Furnas informar se aconteceram outros volumes maiores que o de 1974. Fosse só este seu objetivo, Manso já teria valido a pena.

     Já em 1978, no antigo Minter, a Comissão da Divisão do Estado, da qual tive o privilégio de participar, propôs a transformação de Manso em um projeto de aproveitamento múltiplo (APM) de barragem, então pioneiro no Brasil para solucionar também a questão energética, na época o principal problema estadual. Junto com a energização do “açudão”, foram acrescidos os objetivos de regularização de vazão do rio, garantindo cotas mínimas e máximas, prevendo ainda o abastecimento urbano de água e irrigação rural para a Baixada Cuiabana, três barragens a fio d’água rio abaixo, sendo que seu lago poderia também receber projetos de piscicultura, turismo e lazer. Até hoje Manso enquanto APM está subutilizado.

     Ainda há quem pense que Manso foi construída para gerar energia, o que seria um absurdo pela dimensão de seu lago, maior que a Baía da Guanabara e 10 vezes o Lago de Brasília gerando apenas 210 MW. Com Manso segurando o rio, e um bom gerenciamento da ocupação das Áreas de Risco segurando a força dos córregos, Cuiabá pode oferecer condições de segurança à sua população nos períodos chuvosos. Ao contrário do que se vê na maioria das cidades brasileiras, com tragédias a cada verão sempre tratadas com soluções paliativas e projetos pontuais que quase nunca saem do papel antes da próxima tragédia. Teria sido apenas uma questão de sorte Cuiabá pegar um governo recém-empossado que, talvez querendo evitar que uma tragédia urbana mal enfrentada manchasse sua imagem logo em seu início, propôs então uma abordagem abrangente, numa escala mais adequada com bons resultados até hoje



sábado, 21 de janeiro de 2023

A CADEIRA E A CONSTITUIÇÃO

José Antonio Lemos dos Santos 

(Por absoluto medo, corajosamente peço que não compartilhe este meu texto.)

     Como sabemos, em especial os arquitetos, as cidades e seus edifícios são recipientes físicos que abrigam funções urbanas, das mais básicas, como uma padaria, até as mais importantes, como o caso da Praça dos Três Poderes, em Brasília, com as sedes dos maiores Poderes da Nação: Executivo, Legislativo e Judiciário.  Portanto, a Praça dos Três Poderes deveria ser considerada o espaço mais importante do país, como sempre eu pensei que fosse, pois ela abriga suas mais importantes instituições cívicas, os pilares institucionais da nação brasileira, seu comando. Deveria, portanto, também ser o espaço mais protegido e respeitado do país, mantido sob constante vigilância com o que há de mais moderno em termos de segurança, como também pensei que fosse. E descobri que não é. As vezes o edifício e até algumas cidades se confundem com as funções que abrigam, mas continuam sendo apenas o abrigo destas e não elas próprias. Em suma, o mais importante é a função e não o edifício que a abriga. Mais importante o vinho do que a garrafa.

      Porém, parece estar havendo um inversão de valores. As instituições a alguns anos vem sendo atacadas e destruídas criminosamente diante do silêncio das autoridades e da grande imprensa. Estas agora dirigem suas indignações para a vandalização também criminosa e inaceitável de bens públicos e privados. As instituições nacionais vem sendo atacadas e destruídas em sua essência, tanto o Poder Executivo, que perdeu sua autonomia, quanto o Legislativo, este em estágio avançado de perda de representatividade e o Judiciário, que vem usurpando prerrogativas dos outros poderes ao mesmo tempo em que vandaliza ele próprio aquilo que é sua função precípua : defender a Constituição Brasileira. Ou seja, nesta inversão de valores, estamos chorando mais pelos danos criminosos feitos nos Palácios físicos da Praça dos Três Poderes do que pelos danos também criminosos produzidos nos seus conteúdos, na sua essência que tinham por objetivo abrigar, defender. Para a Nação e seu povo é muito mais grave a perda de um artigo, ou mesmo uma vírgula da Constituição Federal, ou o esvaziamento de quaisquer dos Seus Poderes, do que mil vidraças, ou mil cadeiras de qualquer um dos edifícios, repito, criminosamente atacados, por mais belos que sejam, por melhor que seja o arquiteto que os tenha projetado, por maiores que sejam sua importância artística, histórica ou cultural. 

     Enquanto isso, nossa Carta Magna se esvai rapidamente, sem choro, nem vela, sem vozes que se levantem em sua defesa com a mesma ênfase das que protestam pela perda das cadeiras, que também não poderiam ser destruídas. 

(Imagem Wikwpedia)

 

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

ANTONIO JOÃO RIBEIRO, 200 ANOS

 

José Antonio Lemos dos Santos

     Não se trata de exaltar as guerras em episódios ou personagens especiais, mas de celebrar um herói. Heróis existem em cada lado de qualquer contenda ou disputa, assim como covardes ou traidores, a depender do lado por onde são vistos. Herói é aquele que promove ou defende a todo custo, inclusive pessoais, os valores primordiais de seu povo em todas as áreas da ação humana. Em suma, existem heróis nos esportes, na cultura popular, na saúde, na arquitetura, na política, e até nas guerras, embora estas não devessem acontecer, mas aconteçam. Covardes ou traidores são o contrário dos heróis.

     Quero falar sobre Antonio João Ribeiro, hoje quase desconhecido, mas um herói brasileiro que defendeu seu país a preço da própria vida em um dos episódios mais dramáticos da Guerra da Tríplice Aliança. Nascido em Poconé (MT)em 24 de novembro de 1823, morreu em Mato Grosso do Sul, na região onde hoje é o município de Antonio João, que o homenageia com seu nome. Neste ano de 2023 são completos exatos 200 anos de seu nascimento e este é o principal motivo deste artigo.

    Seu drama ocorreu quando comandava a Colônia Militar de Dourados com uma guarnição de 14 soldados, mais cinco colonos - quatro homens e uma mulher - tendo que enfrentar um cerco de 365 adversários mais equipados. Rejeitou com altivez o ultimato do inimigo para render-se, não fugindo ao embate desigual. Antes do embate enviou mensageiro ao comando superior com sua decisão de defender aquela posição brasileira, ainda que a preço da própria vida. Não se escondeu em gabinetes e foi para a linha de frente onde morreram ele, dois soldados e mais dois colonos. Os demais foram dominados. 

     A mensagem enviada foi interceptada pelos inimigos. Tão eloquente era o seu texto que mesmo próximo do enfrentamento em luta sangrenta, ficou gravada mesmo na memória dos adversários que a leram, saltando de um texto em um papel dado como extraviado para a história das grandes epopeias brasileiras. Os bravos reconhecem seus iguais e se respeitam mesmo estando em lados opostos. E assim foi. 

     Em 1980 o Exército Brasileiro consagrou o Tenente Antonio João Ribeiro como um de seus Patronos e construiu na Praia Vermelha, onde se encontram dois dos mais importantes centros de formação militar do Brasil, a Escola de Comando e Estado Maior do Exército e o Instituto Militar de Engenharia, um monumento em homenagem aos combatentes da Guerra do Paraguai tendo em posição de destaque a figura do ilustre mato-grossense e sul-matogrossense, o poconeano Tenente Antonio João Ribeiro representado no momento em que seu corpo se curva para trás alvejado de morte. 

     A mensagem enviada a seus superiores e interceptada pelos adversários, era pequena no tamanho e grande no significado. Segundo o site do Exército Brasileiro ela extravasava o inarredável sentimento do dever militar, expresso nas poucas palavras ali colocadas pelo bravo tenente:” Sei que morro, mas o meu sangue e o de meus companheiros servirá de protesto solene contra a invasão do solo de minha Pátria”. Vai, de fato, para além do dever militar firmando-se na linguagem cívica brasileira como expressão simbólica da afeição extrema da cidadania pelo seu berço pátrio diante de quaisquer tipos de ameaças que sobre ele paire.   







segunda-feira, 21 de novembro de 2022

FERROVIA E GATO ESCALDADO

José Antonio Lemos dos Santos

     A ligação de Cuiabá ao sistema ferroviário nacional surge no II Império com a Guerra do Paraguai e vem avançando aos trancos e barrancos vencendo imensos desafios, alguns físicos como a ponte sobre o Rio Paraná (1996), outros políticos ou financeiros, sempre tendo como chamariz a capital mato-grossense, seu objetivo original até hoje não alcançado. O início efetivo de sua realização se deu em 1905, com as obras da ferrovia Noroeste do Brasil, que, como indica o próprio nome teria rumo Noroeste, direção de Cuiabá saindo de São Paulo. Porém, já em 1907 o destino dos trilhos foi mudado para Corumbá. Na nova direção, às margens do Rio Paraguai havia uma grande fazenda de erva-mate de um dos homens mais poderosos do Brasil, ministro da República, cuiabano. Nada contra Corumbá, aliás a redenção de Mato Grosso sempre foi a abertura de caminhos a todos os rincões, em todos os modais. A exclusão premeditada é o mal. Mas, foi um grande golpe para Cuiabá, uma punhalada, a primeira das que se sucedem até hoje. 

     O assunto foi retomado na metade do século XX pelo saudoso Vicente Emílio Vuolo que incluiu o trecho no Plano Viário Nacional (PNV). Após grande luta as obras foram iniciadas em 1991 a partir de Santa Fé do Sul(SP), operando seu primeiro trecho em 1998 e chegando em 1999 a Mato Grosso, em Alto Taquari. De lá os trilhos avançaram a Alto Araguaia, Itiquira e em 2013 a Rondonópolis. Tudo aparentava estar bem. Contudo, só aparentava. Em fins de 2008 tinha sido criado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) contemplando os trilhos até Rondonópolis e incluindo a FICO, uma invenção então recente, com imediata inclusão no PNV. Mas para a surpresa de todos, bomba, bomba, o trecho até Cuiabá foi excluído. Foi a segunda punhalada.

     E logo veio a terceira, quando a ALL devolveu à União a concessão que herdou da Ferronorte nos trechos pós Rondonópolis, um dos quais passava por Cuiabá, milhares de quilômetros de concessão em uma das regiões de maior produção de alimentos no mundo. Uma devolução no mínimo estranha para uma grande empresa internacional do ramo ferroviário na época. A seguir, em 2012 surgem as primeiras notícias sobre a Ferrogrão em um dos trechos devolvidos pela ALL, ligando o porto de Miritituba (PA) a Sinop. A Ferrogrão logo despertou o Sudeste ante a possibilidade de seus portos perderem grande parte do escoamento da produção do Médio-Norte mato-grossense. 

     Em resposta, é inaugurado em Rondonópolis o maior terminal de cargas da América-Latina, já com foco em levar seus trilhos o mais próximo possível do centro de produção ao norte. Lucas do Rio Verde seria a primeira meta tendo como principal obstáculo uma previsível reação da sociedade civil cuiabana. Para contemporizar lançam um ramal de Rondonópolis a Cuiabá criando uma bifurcação fácil de fazer uma e não fazer a outra. Como garantia aos cuiabanos, o projeto veio com a promessa do ramal para Cuiabá ser o primeiro a ser inaugurado (em 2025, Campo Verde em 2026). Acalmados os cuiabanos, questões pendentes contam com apoio de Cuiabá, como a própria lei estadual das ferrovias.    

     No último dia 7 de novembro a obra foi iniciada, porém no trecho Rondonópolis – Lucas do Rio Verde. O cronograma inicial será mantido? O ramal para Cuiabá e toda a Baixada Cuiabana ainda será o primeiro? Até acredito no interesse da Rumo chegar a Cuiabá com a Brado, por sua carga “conteinerizável”. Mas gato escaldado... Cuiabá já estaria sendo preterida de novo? Mesmo com suas 20 milhões de ton/ano de carga de retorno (2018), energia abundante, economia de aglomeração e a maior concentração de mão de obra no estado, condições básicas para a verticalização em escala da produção de Mato Grosso em seu próprio território? Outra punhalada? 


sexta-feira, 21 de outubro de 2022

MÁXIMA UTOPIA

                                                                         Desenho Prof. José Maria de Andrade

José Antonio Lemos dos Santos

     Existem dois tipos de homens, os bons e os maus. Os bons são os que se preocupam com o bem-estar deles próprios e dos outros, não apenas seus semelhantes, mas com todo o contexto bio-sócio-ambiental em que vivem. Os maus são aqueles que só pensam em si mesmo, na realização de suas ambições, e o resto “que se exploda”, como dizia Justo Veríssimo do saudoso Chico Anysio. Nesta reflexão é indiferente se o homem já nasce mau e é o lobo de si próprio como disse Locke, ou se ele nasce bom e a sociedade o corrompe como afirmou Rousseau.

     Não sei onde li, ou ouvi, que os bons são a grande maioria, porém quase sempre dominados pelos maus. Pelo menos nos meus relacionamentos pessoais, presenciais ou virtuais, na minha “bolha” como dizem, quase todos desejam um mundo melhor para a humanidade, resumidamente um lugar onde haja paz, liberdade, justiça social, equilíbrio ambiental, oportunidades iguais e direitos fundamentais garantidos e efetivados para todos. Imagino que isso deva se repetir na maioria das “bolhas” de todo mundo e que esta seja a máxima utopia da humanidade. 

     Nessa busca pela utopia de um mundo melhor, o pisoteio humano deixou marcados no chão dois caminhos: um à direita e outro à esquerda. No da direita, cada qual por sua conta e risco busca e vai abrindo picada na direção de onde acredita poder avistar os sinais do mundo novo. Muitos chegam a vê-los, fascinantes ainda que fugazes, e conseguem avançar em sua direção até que a perca de vista de novo. E, com muito sofrimento, no compasso dos acertos e erros, aparições e sumiços, a turba avança consolidando progressos, mais rápida ou mais lenta, às vezes até retrocedendo. 

     No caminho à esquerda o povo se movimenta organizado coletivamente em busca em princípio da mesma utopia, seguindo sem discussão um rumo determinado por seus profetas, que preferem fazer a hora, em vez de esperar acontecer. A escolha parece em princípio melhor, mais rápida e segura, tendo conseguido, também à custa de muito sofrimento, avanços importantes, propostos por seus líderes que os sustentam através dos poderes de um estado forte e onipresente. Vale a fé na razão e na ciência avalizando o esforço coletivo.

     À direita, a individualidade, o acerto e o erro caminhando juntos. À esquerda, o coletivo organizado determinando os passos de cada um. De um lado o liberalismo que levado ao extremo pode chegar ao colapso da superexploração e do subconsumo e de outro a estatização que promete chegar à ditadura do proletariado. Lembro que ambos, em princípio, buscam a mesma utopia, porém por caminhos diferentes. 

     Só que a riqueza produzida pelos avanços na caminhada desperta a avidez e o egoísmo, raízes dos males e dos maus, estes em profusão tanto à direita quanto à esquerda. Buscam dominar os grupos para se apossar do que é produzido por todos, no que são exitosos instigando divergências, impondo falsos dilemas levando ao esquecimento a utopia original e passam a se digladiar entre si, amigos, parentes, colegas. Dividir para dominar, é o que fazem desvirtuando a própria essência do progresso recorrendo às mentiras, à corrupção e ao poder ilegítimo. 

     A democracia é o único remédio para as necessárias correções de rumos. O Brasil neste momento conclui a eleição presidencial mais importante de sua história. Ela não se restringe a uma disputa entre duas personalidades, mas à escolha do próprio caminho a ser adotado pelo país: à direita ou à esquerda. Ela definirá a forma do país ser governado e a maneira de viver das novas e futuras gerações de brasileiros. Um momento ímpar onde deveria imperar, não a briga insana entre os cidadãos, mas o debate civilizado, condição básica para a consolidação de uma grande e justa nação, nossa máxima utopia.